quinta-feira, maio 31, 2012

NOSSOS PESOS

quinta-feira, maio 31, 2012

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Você se sente, em alguns dias, como se carregasse o peso do mundo? Sente-se excessivamente cansado, atormentado, assoberbado de tarefas Talvez seja interessante refletir um pouco a respeito do que o está deixando tão exausto, quase desencantado da vida. Conta-se que um conferencista tomou de um copo, nele despejou água e o ergueu, mostrando para a plateia. Então, lançou a pergunta: Quanto vocês acham que pesa este copo? As respostas variaram entre vinte e quinhentos gramas. Bom, completou o conferencista, o peso real do copo não importa. O que importa é por quanto tempo eu o segurarei levantado. Se o segurar por um minuto, tudo bem. Se o segurar durante um dia inteiro, precisarei de uma ambulância para me socorrer. O peso é o mesmo, mas quanto mais o seguro, mais pesado ele ficará. Isso quer dizer que se carregamos nossos pesos o tempo todo, mais cedo ou mais tarde não seremos mais capazes de continuar. A carga irá se tornando cada vez mais pesada. É preciso largar o copo, descansar um pouco, antes de segurá-lo novamente. Temos que deixar a carga de lado, periodicamente. Isso alivia e nos torna capazes de continuar. Portanto, antes de você voltar para casa, deixe o peso do trabalho num canto. Não o carregue para o lar. Você poderá retomá-lo, no dia seguinte. * * * Há sabedoria nas palavras do conferencista. Por isso mesmo, o Sábio de Nazaré, há mais de dois mil anos recomendou: A cada dia basta sua própria aflição. Equivale a dizer que devemos saber nos empenhar em algo que precisa ser feito, que exija todo nosso esforço. Mas que, depois de um tempo, precisamos relaxar, espairecer, trocar de tarefa. A lei trabalhista estabelece o cômputo de horas ao trabalhador. Também o dia do repouso, das férias. Na escola, temos horários de estudo, intercalados com intervalos. Pensemos, portanto, e comecemos a agir com sabedoria. Enquanto no trabalho, todo empenho. Vencidas as horas de esforço mental ou físico, envolvamo-nos em outra atividade prazerosa. Busquemos o lar e vivamos, intensamente, com nossos familiares. Observemos o filho no berço, o outro que ensaia as primeiras letras no papel. Preocupemo-nos em saber se tudo está bem. Conversemos. Desanuviemos o cenho, agora é o momento da família. E não esqueçamos de momentos para a oração, para a boa música, a leitura nobre, que nos refaça a intimidade, nos descanse a alma. Vinculemo-nos a um trabalho voluntário. Cultivemos nosso jardim. Podemos as árvores. Colhamos flores. Despertemos mais cedo e observemos o nascer do sol. Encantemo-nos com o cair da tarde. Em suma: vivamos cada momento com todas as nossas energias. Cada momento, sem levar conosco cargas desnecessárias. Lembremos Jesus: A cada dia basta sua própria aflição.

terça-feira, maio 29, 2012

ELOGIO AO AMOR

terça-feira, maio 29, 2012

Este é um texto velhinho mas não deixa de ser bem atual e como gostei, cá vai: Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também. Miguel Esteves Cardoso